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Contos de Minas - A Força do Ciúme
Somente alguém com grande astúcia construiria uma casa como aquela. Havia um claro e misterioso propósito naquela construção.

Em um tempo distante num lugar sem muita importância, uma engenharia misteriosa. Local de montanhas amenas e linda paisagem. A casa construída sobre um alto alicerce de pedra bruta, com enquadramento especialmente preparado, era imponente.

O Alpendre e a porta frontal voltados para o norte, com poucos graus a noroeste, adentrava em uma primeira sala, depois em uma outra sala e enfim a sala de jantar e a cozinha, com porta de saída para uma varanda. As portas, meticulosamente alinhadas, permitiam que alguém que estivesse de um lado, pudesse apreciar a paisagem do lado oposto, olhando através dos referidos cômodos e suas portas abertas.

Da varanda depois da cozinha, podia-se enxergar por dentro da casa, a última curva do rio que ficava ao longe. Impressionante era, que aquele ponto do rio, só se podia ver olhando por aquele alinhamento.

No alpendre, olhando por dentro da casa, pelo alinhamento das portas abertas, via-se, distante, o velho jacarandá, sobrevivente de alguns raios que lhe causaram danos visíveis.

Do jacarandá, estando as portas da casa abertas, através delas, e somente através delas, enxergava-se a última curva do rio. Uma mística construção, podia-se dizer.

Não havia moradores próximos. Dos mais antigos da região, poucos aceitavam, arriscavam, ou sabiam dizer alguma coisa sobre a história passada da propriedade. Especulações fantasiosas era o que se conseguia ouvir aqui ou acolá.

Pessoas já idosas diziam ter medo de lá, pois quando crianças recebiam recomendações de nunca irem naquele lugar, porque as crianças que tinham feito isso, nunca voltaram pra casa. Uns e outros afirmavam já terem visto crianças correndo nos pastos da propriedade, gritando, tangendo o gado. A propriedade era zelada por alguém que ninguém via e o gado nas pastagens nunca mudava, era sempre o mesmo.

Um morador, sujeito de meia idade, desses bem falantes, contava e afirmava ser verdade o que seu avô lhe teria contado, que teria sido uns dos que trabalharam na construção da intrigante moradia.

Dizia que aquele quinhão de terras fora havido por herança. O herdeiro teria recebido uma proposta de compra das terras, provinda de um dos fazendeiros do lugar. O sujeito, cheio de vaidades, teria respondido ao fazendeiro, que não venderia as terras por valor nenhum, pois dinheiro era o que não lhe faltava, e apontando para o jacarandá, dissera ao fazendeiro: -Lá, daquele jacarandá lá em cima, até lá embaixo naquela última curva do rio, olhando pros dois lados dessa linha, toda terra que se vê, é daqui de minha posse, sou ciumento dos meus pertences, neles ninguém vai botar a mão, o coisa ruim vai cuidar e botar pra fora quem ousar. Aqui onde nós  estamos, vou construir uma bela moradia, e é aqui que minha família vai ficar pra sempre, ainda que eu tenha que oferecê-la ao diabo.

O sujeito construiu a casa conforme dissera e lá foi morar com sua mulher e o casal de filhos, crianças ainda bem pequenas.

Depois de um bom tempo, a propriedade seguia em bom andamento, pouquíssimos empregados, pois somente lidava com gado. Certo dia, como fazia de vez em quando, o sujeito arreou seu cavalo e rumou pra cidade, tendo, porém, sido obrigado a retornar da metade do caminho, pois seu cavalo escorregou e se feriu. Em casa encontrou seu irmão conversando com sua mulher na sala, enquanto as crianças brincavam no alpendre, nenhum dos empregados ali por perto. Nada lhe passou, nada pensou de errado.

Poucos dias depois, sentados na sala principal, uma voz, pelas costas, sussurrou-lhe ao ouvido: - Não são seus filhos! São filhos de seu irmão. Olhou para traz, não havia ninguém ali além deles. Tentou esquecer mas não conseguiu, aquela voz não lhe saía dos ouvidos:- Traidora! Traidora! Traidora! Não são seus filhos, não são seus filhos, não são seus filhos...

Doido de ciúmes, aquela voz lhe atormentando dia e noite, não esquecia um só minuto de seu irmão.

Com firme propósito, chamou seu irmão para juntos percorrerem a propriedade. Exatamente lá, na margem do rio, na última curva, ele cometeu o desatino, acorrentou o corpo a uma pedra pesada e o atirou na água.

Não teve nenhum alívio, a todo momento aquela voz lhe repetindo: - Traidora! Traidora! Traidora! Não são seus filhos, não são seus filhos, não são seus filhos...

Enlouquecido, num descuido de sua mulher, levou as crianças lá para o jacarandá, as enterrou ao pé da árvore. Voltou-se em direção da casa e viu pelas portas abertas, sua mulher debruçada no parapeito do alpendre e lá na curva do rio, à beira do barranco, uma pessoa em pé. Reconheceu, era seu irmão. Correu para casa e encontrou sua mulher caída lá embaixo, ao lado do alicerce de pedra. Teve tempo apenas de ouvir dela duas perguntas: -Por que você me empurrou? Onde estão as crianças?  Respondeu que não a tinha empurrado, mas não deu tempo dela ouvir, já estava morta.

Levou o corpo da mulher para o alpendre, olhou para a curva do rio e lá estava seu irmão em pé. Correu, quando chegou no rio não havia ninguém. Olhou para a casa, viu sua mulher debruçada no parapeito do alpendre, lá no jacarandá as crianças brincavam correndo em voltas da árvore. Rumou para casa, o corpo de sua mulher estava no chão onde ele o havia colocado, no jacarandá não encontrou as crianças, não viu nada. Olhou para a casa e lá estava sua mulher debruçada no parapeito do alpendre, lá na curva do rio estava seu irmão em pé à beira do barranco.

Dependurou-se com uma corda laçada ao pescoço na trava da varanda da cozinha. O delegado regional esteve no local e tomou as providências que lhe cabia.  


Contam que a propriedade continua bem zelada não se sabe por quem, que é sempre o mesmo gado pastando, que existe uma trilha batida em linha entre o jacarandá e a curva do rio, passando pela casa e que de vez em quando se vê um homem correndo nessa trilha. Alguns já teriam visto uma mulher debruçada no alpendre da casa, crianças correndo em volta do jacarandá e um homem em pé na curva do rio.

Acredita-se que a casa irá desmoronar quando um raio estraçalhar o jacarandá.  
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Enviado por JV do Lago em 01/07/2020
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