Vendo e me divertindo na convivência com os meus netos, ela com oito anos e ele com sete, me deliciando com a alegria, as espertezas e ate os rachas entre eles que de vez em quando acontecem. Lembrando de quando tinha a idade deles, sei compreender as traquinagens, próprias de quem não tem ainda um senso de responsabilidade capaz de impedir certos procedimentos, às vezes até perigosos.
Nessas relembranças me veio à mente as minhas práticas lá por volta dos meus oito anos. Fazer estilingues e caçar passarinhos era uma das minhas diversões, chocante essa declaração, mas eram outros tempos, outro contexto.
A casa em que morávamos era bem rente à rua, um só degrau da porta da sala e já se estava nela, não havia asfalto ou calçamento. Da sala tinha uma janela que também abria para a rua. Do lado esquerdo  de quem olhasse para a casa, ficava a garagem onde meu pai guardava o velho caminhãozinho Ford 1937, partida à manivela, que usava na entrega dos tijolos que fabricava.
Naquele dia, estava eu com o meu estilingue nas mãos, em frente a garagem, prontinho, aguardando um alvo, quando passou em direção ao centro da cidade aquele automóvel preto, semelhante aos utilizados pelos gangsters nos filmes americanos. Dentro estava o delegado de polícia, o agente de saúde mais conhecido de todos e outro senhor que era meu parente e padrinho do meu pai.
Assim que o automóvel passou, mirei o estilingue e disparei, vi quando a pedra bateu no chão e em seguida no vidro traseiro daquele carro. O carro parou e eu joguei o estilingue dentro da garagem e corri para dentro de casa. O meu pai estava ali na sala. Deram ré no automóvel e pararam bem diante da janela. Ficaram alguns segundos aqueles homens olhando para o meu pai,  para o meu grande alívio foram embora sem dizerem nada.  Escapei naquele dia, de uma surra que certamente seria inesquecível.