É DURA MAS É DOCINHA
Já que a vida anda tão amarga, escrever sobre política quase sempre é um comprar briga até com quem amamo. Escrever poemas parece que fica fácil, mas os temas ou a inspiração acabam revelando que o coração não é satisfeito, então vou voltar para as minhas lembranças e falar de uma doçura que eu gosto e que muita gente adora. Aposto que quem não se dá bem com ela, raiva também não tem, a menos que tivesse com uma panela nos dentes e tivesse dado uma dentada em alguma rapadura. Sim, vou falar sobre rapadura! Achou o tema estranho? Bobo? Talvez os dois, mas ruim não é não.
Meu pai que somente estudou até a terceira série, brincava que era engenheiro, e era! Entre outros trabalhos na área rural, ele trabalhou no engenho de cana fazendo rapadura. Trabalhou no engenho era engenheiro, quem vai dizer que não?
No engenho lá do meu avô a água era pouca, impossibilitando uma roda d’água, então a moenda girava por tração animal. Pela necessidade de agilidade a preferência era pelos cavalos. No meu tempo lá, a dupla Estrelo e Alazão.
Para que a moenda começasse a funcionar, além de na madrugada ir atrelar os cavalos, pois o dia seria longo, na véspera a cana teria que ser cortada e dois carros de bois bem cheios da cana, serem descarregados ali bem perto da moenda, sem impedir a pista circular onde os cavalos iriam passar, quase sempre a galope. Nas moendas dois homens trabalhavam, colocando a cana e retirando os bagaços. Meu pai trabalhava nas tachas, que também começava na madrugada, e eu quase sempre lá com ele, pois acender a fornalha, lavar a mesa onde seriam montadas as formas, o gamelão onde batia o melado e as tachas pra receber a garapa, levava tempo.
Minha alegria de menino começava quando a garapa começava a descer pela bica, pois era a doçura colhida na caneca e degustada com toda liberdade de quantidade.
Com as tachas todas limpas e cheias de água fervente, a tacha do fundo, eram três, com uma grande concha de cabo bem longo a água fervente era jogada fora e a tacha recebia então a garapa, que conforme ia sendo aquecida, com uma grande escumadeira ia sendo retirada a espuma e as demais impurezas que ficavam na superfície. Esvaziava-se a tacha do meio e essa garapa fervendo e já um tanto purificada da primeira tacha, era passada com a concha para essa tacha, reabastecendo a primeira novamente com a garapa. O tacheiro, aí no caso meu pai, então agora zelava pelas duas tachas, descartando as impurezas de ambas. Depois a garapa já bem purificada da tacha do meio era passada para a última tacha onde ficaria até atingir o ponto. Nessa hora o tacheiro zelava pelas três tachas e também da fornalha abastecendo-a com lenha quando necessário. Não precisa dizer que o ambiente era super aquecido.
Quando o melado chegava no ponto certo, o tacheiro, com a concha grande o despeja na bica larga que derramava no gamelão, onde um daqueles que estavam na moenda, vinha bater o melado com uma grande colher(pá) de madeira quadrada, o tacheiro ia reabastecimento as tachas e o processo era contínuo. Com a moenda parada, o outro que lá estava, montava as formas que eram enchidas com a concha, quando o melado já batido estava no ponto. Pegar a puxa na bica do gamelão era outra delícia, não só dos meninos como eu, mas de todos. Ainda tinha a raspa das formas e do gamelão, que todos também apreciavam muito.
Dois carros de cana resultavam 400 ou 500 maços de rapaduras. Um maço consistia em duas peças. Então dependendo da cana, dois carros produziam de 800 a 1000 rapaduras.
Pra quem ficou pensando que o menino só se divertia, digo que se enganou, pois carregar o bagaço da cana e fazer os cavalos galoparem era tarefa dele.
Pra não faltar um toque de humor, dedico essa crônica aos dentistas que eventualmente a lerem.